domingo, 23 de agosto de 2009

O Colecionador De Escaravelhos


Passou dois anos em Edimburgo. Um dia recebeu uma carta do pai chamando-o de volta a Shrewsbury, o que o deixou um pouco preocupado, pois já imaginava o assunto. A conversa entre pai e filho, de fato, não foi muito amistosa, embora o dr. Darwin fosse um homem tranquilo e pacífico e possuidor de uma paciência inesgotável para com os filhos. Darwin havia escrito às irmãs informando-as de ter largado as aulas e Darwin assumiu tudo, afirmando não gostar de medicina. O dr. Darwin percebeu que seria difícil convencer o filho, ele mesmo havia passado por idênticas dificuldades, lembrou-se das vezes em que a simples vista de um pouco de sangue o havia deixado mais doente do que o próprio paciente. Procurou, então, ser compreensivo. O pai então, perguntou-lhe qual seria a profissão que ele sentia alguma predisposição.
Charles ficou confuso pois a bem da verdade, não sentia nenhuma predisposição para qualquer profissão. O dr. Darwin olhou fixamente para o filho, para sua fronte alta, seus olhos claros e honestos, seu rosto redondo, seu nariz um pouco maior que o normal, seus aspecto sadio e ao mesmo tempo delicado. E chegou a uma conclusão e perguntou0lhe: "Já pensou em seguir a carreira eclesiástica e torna-se padre?"Foi assim que Charles, de um dia para outro, encontrou-se matriculado no Christ's College da Universidade de Cambridge. Isso foi em 1828. Um amigo de Darwin, apaixonado por frenologia, assegurou-lhe que sua cabeça era exatamente a cabeça de um padre, um requintado modelo certo e absoluto dos homens predestinados à carreira eclesiástica. Quando chegou ao Christ's College estava seriamente convencido e compenetrado de que não tinha outra saída, que tinha nascido para ser padre, uma predestinação de Deus contra a qual seria inútil lutar.
Em Cambridge, durante toda a primeira semana, assistiu às aulas de teologia com assiduidade e atenção. Na segunda semana, porém já estava entediado de todas aquelas questões teológicas que falavam e falavam de Deus sem na explicar de verdade. Aos poucos começou a sair do colégio e a explorar as redondezas da universidade. E por hábito, quando encontrava algum mineral que ainda faltava em sua coleção de Shrewsbury, recolhia o espécime e o levava para seus aposentos. A partir da terceira semana, já havia iniciado uma nova coleção de minerais.
Não satisfeito com uma só coleção, porém, entregou-se aos prazeres de uma segunda, mais vistosa e interessante: a de insetos. Andava pelo campo com uma sacolinha cheia de vidros, onde enfiava todo e qualquer espécime de inseto que encontrava. Indagava com atenção, revirando as pedras, mexendo na terra, controlando as folhas das árvores e das verduras. Depois, à noite, ficava admirando seus bichinhos com curiosidade e amor. O longo chifre pontudo de uma umbonia spinosa o deixava maravilhado, assim como as cores iridescentes e metálicas de um exemplar de chrysochroa fulgidissima. O que existia de mais belo na natureza?
Coleópteros
Colecção Sul Americana Braga Júnior
MHN.FCUP
Certa vez estava no campo à procura de coleópteros. O dia não tinha sido muito proveitoso e ele estava de mau humor. De repente, no tronco de uma árvore, percebeu as cores azuladas de um cyphus angustus.
Precipitou-se para capturá-lo, esquecendo-se de preparar o vidrinho onde aprisionar o inseto. Assim, quando viu no mesmo tronco um belo exemplar de curculio elephas, não teve dúvidas. Para capturar o segundo espécime, enfiou o primeiro entre os lábios e com as duas mãos livres jogou-se sobre o outro. O ciphus angustus, porém não gostou do aperto. E deu-lhe uma mordida ácida e dolorida. Assim mesmo não renunciou à presa. Aguentou estoicamente a dor e a náusea até preparar os vidrinhos e aprisionar definitivamente os insetos.
Depois do primeiro mês em Cambrigde, ao invés de comparecer às aulas de teologia, começou a frequentar as de botânica, dadas pelo professor John Stevens Henslow, um jovem mestre que logo cativou Charles e do qual se tornou muito amigo.

Portrait of John Stevens Henslow, the Cambridge botanist, by J. H. Maguire; 1851.Image © the Whipple Museum (Wh.5866).
Henslow era um ardente estudioso, cristão devotado e homem de maneiras afáveis e atraentes. Era dotado de um constate bom humor, que ele sabia transmitir aos estudantes através de sua simplicidade e amizade. Conhecia muito bem botânica, entomologia, química, mineralogia e geologia. Uma vez por semana recebia os alunos em sua casa, convidando-os a discutir as lições de história natural com mais liberdade e entusiasmo do que no Christ's College.
Suas aulas eram frequentemente sucedidas por longos passeios pelo campo, durante os quais explicava aos estudantes, in loco, o que anteriormente havia lecionado na aula do colégio. Henslow e Darwin, por causa da afinidade surgida entre os dois, multiplicaram esses passeios. Habituaram-se a sair logo após as aulas, perdendo-se pelos campos de Cambrigde à cata de insetos. O achado de um raro exemplar de lampra rutilans ou de trichodes alvearius os deixava contentes o dia inteiro; a captura de um terachrysis semicincta ou de um stilbum oynarum era festejada até altas horas da noite.
Darwin, de fato, comportava-se de maneira um tanto estranha e pouco convincente para um estudante de teologia! Quase todas as noites saía do colégio em busca de diversão.
Os livros de teologia jaziam esquecidos debaixo da mesa de seu quarto. Em cima da mesa, de fato, estavam agora suas coleções de insetos, um tesouro que não trocaria por nada no mundo. Henslow mesmo o ajudava a catalogá-los, juntamente com W. Darwin Fox, um primo de Charles, que ensinava entimologia no Christ's College.
Um dia, Henslow pediu-lhe para deixá-lo fotografar alguns exemplares raros da coleção para ilustrar um volume científico. Darwin consentiu imediatamente, entusiasmado com a idéia e orgulhoso do convite.
O livro, intitulado Ilustrações dos Insetos Ingleses, publicou três fotos das enviadas por ele, e debaixo das três constava a referência: Panagaeux cruxmajor, panagaeux quadripunctatus, licinus, capturados por C. R. Darwin.

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