domingo, 23 de agosto de 2009

O Fracasso Escolar

As aulas começaram logo após o verão de 1818. A escola de mr. Butler era um casarão enorme, mas possuía um aspecto agradável, com os aposentos lindos e espaçosos, bem arejados por grandes janelas das quais se podiam entrever os bosques que rodeavam Shrewsbury e o curso prateado do Severn que, serpenteando entre colina e outra, perdia-se no horizonte.
The Severn
Aos poucos se acostumou com a nova vida. Nas horas de folga ou de recreio, ao invés de ficar brincando com os colegas ou participar de seus passeios, preferia voltar para casa, distante apenas poucas milhas, e lá continuar tranquilamente sua vida anterior, cuidando das coleções e procurando ampliá-las com visitas diárias ao jardim, às margens do Severn e aos bosques
circundantes. Voltava para a escola na hora de fechar, correndo como um desesperado para chegar antes que o velho porteiro do edifício trancasse o portão com um cadeado que parecia de prisão. Um dia, por causa de um ovo de malvis, quase correu o risco de ficar fora do colégio, o que era considerado motivo para castigos severos ou até a expulsão. Quando percebeu que era tarde saiu correndo e percebeu que não chegaria à tempo, começou então a rezar de coração, uma prece profunda e de fato, quando chegou ao edifício da escola, o portão estava ainda aberto. E o porteiro estava suando a camisa na tentativa de desengatar a mola do cadeado. A partir daquele dia ficou mais confiante em si e na ajuda de Deus.
Em 1822, pediu ao pai para lhe deixar passar as férias no Gales, com o tio Josiah. O dr. Darwin consentiu imediatamente pois respeitava muito o cunhado e sua maneira de viver, em sintonia com a natureza. Quando Charles chegou a Maer, logo recomeçou a dedicar-se à pesca com o entusiasmo de sempre. E lembrando-se do belo livro que o tio havia lhe emprestado anteriormente pediu-lhe outro volume para ler e ele o deu, As Maravilhas do Mundo, que logo encantou Charles e o fez sonhar com longas e aventurosas viagens.
Logo após uma conversa o tio propôs a Darwin a caça. Josiah ensinou-lhe como manejar a espingarda, como carregá-la, como disparar. Ele aprendeu rapidamente. Não matou nenhum pássaro, mas disparou quatro vezes contra codornas e perdizes.
Quando as férias acabaram, voltou para casa e para o colégio de mr. Butler. Continuou, porém, a se aproveitar de toda e qualquer folga para correr até The Mount. Lá, agarrava a espingarda que tinha conseguido comprar apelando para a generosidade do pai, e adentrava-se pelos bosques perto de casa, à procura de algo para caçar.
Depois, um dia, o irmão Erasmus convidou-o a entrar no quartinho de ferramentas do jardim. Erasmus estudava química. E aos poucos conseguiu que seu irmão se apaixonasse também por esta ciência.
Em 1825, quando acabou o curso no colégio de mr. Butler, deu graças a Deus. Tinha passado sete anos na escola quase sem resultado, ele mesmo sabia disso! Praticamente saía da escola assim como tinha entrado, sem nenhuma cultura razoável e sem ter definido seu futuro e a profissão que deveria abraçar. O próprio mr. Butler licenciou-o da escola como um estudante medíocre e comum, abaixo do nível de inteligência médio, que tinha completado o curso apenas por milagre, com muitos tropeços e um pouco de sorte. O dr. Darwin quando ouviu a sincera opinião de mr. Butler sobre o filho, chamou Charles de lado, deu-lhe um puxão de orelhas falando que Charles não servia para nada.
Ele não respondeu. Ouviu tudo calado, com raiva e ofendido com as palavras do pai, considerando-as injustas e falsas. Afinal, caçava perdizes e codornas e o próprio pai as tinha saboreado muitas vezes em sua mesa! E sabia fazer também o gás de Clayton melhor que o Erasmus. E ninguém em toda Shrewsbury e até no condado inteiro, possuía uma coleção de minerais e ovos de passarinhos tão completa quanto a sua. Isso por acaso, não valia nada?
No fim de 1825, o dr. Darwin decidiu mandar Charles e Erasmus para a Universidade de Edimburgo, na Escócia, com o intuito de estudar medicina e continuar, assim, sua bem sucedida carreira. Os dois irmãos alojaram-se no número 11 da rua Lothiam, numa velha mas linda pensão dirigida por uma certa senhora MacKay, com a qual logo fizeram amizade. Isso permitiu aos dois jovens uma boa elasticidade nas horas de entrada e saída da pensão, o que eles aproveitaram com todo o entusiasmo e vigor de dois rapazes sadios e robustos.

Universidade de Edimburgo
Quanto à universidade, Charles achou as aulas intoleravelmente obscuras, com exceção das de química, dadas pelo professor Hope. As aulas de medicina, lecionadas pelo professor Duncan, ao contrário, o deprimiam, especialmente por começarem às oito da manhã, hora em que Charles estava ainda com sono espesso, pastoso, intolerável. Frequentemente, durante as aulas, era forçado a reclinar a cabeça sobre o peito e a cochilar de maneira irresistível. Charles até que aguentava com uma certa firmeza as aulas teóricas e aquelas desenvolvidas sobre desenhos e falsos membros, mas era impelido a sair apressadamente da classe quando o professor Munro convidava os estudantes a praticarem a dissecação. Isso lhe era insuportável.
Assim mesmo, aguentou um ano inteiro. Durante as férias, em Shrewsbury, até tentou conseguir alguma prática, oferecendo-se para curar gratuitamente os pacientes pobres da região. Visitava os doentes que o pai lhe indicava, fazia as perguntas de praxe e com um certo ar de pessoa já acostumada a isso, apalpava os doentes como o pai lhe ensinara e depois fazia um histórico do caso ao dr. Darwin, relatando-lhe os sintomas e o decurso clínico da doença. O pai aconselhava-o sobre a terapia a seguir, o que ele fazia com escrúpulo e muita sabedoria. Chegou a ter até doze pacientes ao mesmo tempo.
Charles voltou para Edimburgo com mais disposição a torna-se médico, mas infelizmente, logo depois do recomeço das aulas, foi obrigado a assistir, juntamente com outros colegas, a duas operações no anfiteatro cirúrgico do hospital. Naquele tempo não havia ainda anestesia. A vista do sangue e os gritos quase animalescos dos pacientes torturados, um dos quais era criança, pertubaram Charles de tal maneira que ele foi obrigado a sair apressadamente do anfiteatro. Ganhou o corredor cambaleando, tonto e firmemente decidido a nunca mais ouvir falar da medicina, nem pelo pai e nem pelos professores.
Erasmus, pouco tempo depois, deixou a Universidade de Edimburgo. Para compensar a perda da presença do irmão, Charles arranjou em pouco tempo alguns amigos, formando com eles uma boa turma cujos interesses eram dos mais variados. Sentiu-se em boa companhia. Grant e Coldstream por exemplo, precisavam de animais marinhos para realizar algumas experiências; e ele ofereceu-se prontamente à ajudá-los. Esse era o tipo de vida que preferia! Foi até à praia de New Haven, ajudou os colegas a capturarem um montão de moluscos, tornou-se amigo dos pescadores da região e frequentemente os acompanhava e os ajudava na pesca das ostras. A vida que tinha pedido a Deus! Observar os animais marinhos, desvendar-lhes os mistérios, admirar seus hábitos, eram coisas que davam prazer, que tornavam a vida mais amena e alegre.
Em 1826 descobriu, por acaso, que os ovos de flustra se locomoviam por meio de cílios e que, portanto, não podiam ser ovos, mas larvas. A descoberta deixou-o entusiasmado. Ninguém antes dele havia descoberto tal coisa, ninguém havia reparado nesse importantíssimo fenômeno da natureza. De repente, sentiu-se útil à humanidade. Inscreveu-se, uma semana depois, na Pliniam Society, fundada em 1823 pelo professor Jameson e cuja atividade consistia em reuniões de estudantes na casa do próprio fundador, durante as quais todos contribuíam relatando observações relativas aos mais variados fenômenos da natureza. Darwin, de sua parte, relatou a descoberta de que os ovos de flustra não era ovos, e todos o aplaudiram bastante, deixando-o confuso, e muito orgulhoso de si mesmo.
Encorajado por esse sucesso, inscreveu-se, então, na Real Sociedade de Medicina; e começou também a frequentar as reuniões da Sociedade Werneriana, onde ouviu e admirou, certa vez, o célebre Audubon pronunciar uma conferência sobre os hábitos dos pássaros norte-americanos.
Aos poucos, Charles deixou de estudar medicina, não comparecendo mais a nenhuma aula. Continuou, todavia, a frequentar os cursos de botânica, zoologia e geologia, embora essa últimas aulas fossem tão chatas e maçantes que o único resultado que conseguiram foi o de lhe tirar a vontade de abrir um só livro que tratasse do assunto.

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